Entenda os desafios da reciclagem em 2021, na Europa e nos EUA

Leia em 8 min

Convidados da França, Itália e EUA compartilharam o panorama da reciclagem e logística reversa em seus países. Saiba mais sobre a experiência do Brasil nesse comparativo.

Durante o 3º dia do II Fórum Internacional eureciclo, os representantes da Europa, EUA e o CEO da eureciclo, Thiago Pinto, relataram suas vivências em torno da reciclagem.

Mesmo em diferentes partes do mundo, os desafios tendem a ser bem similares, como a importância da conscientização e educação ambiental; o papel do poder público em estimular mecanismos de coleta seletiva e a importância de as empresas se posicionarem frente à logística reversa.

Quer saber mais sobre a realidade da reciclagem em 2021 na França, Itália, EUA e Brasil? Continue aqui com a gente. 

Os desafios de reciclagem e logística reversa na Europa em 2021: França e Itália

No II Fórum Internacional eureciclo, Anne-Sophie Michel partilhou a experiência da França em torno da reciclagem. 

A palestrante é Gerente de Inovação na Citeo – organização sem fins lucrativos que visa reduzir o impacto ambiental do papel e das embalagens – e compartilhou que a instituição nasceu com a missão de resolver a reciclagem e a logística de recuperação nos anos 90.

O sistema desenvolvido na França, segundo Anne, se conecta ao valor de responsabilidade mútua, inspiração para a responsabilidade compartilhada no Brasil. 

O termo responsabilidade compartilhada consta na Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída em 2010, para estender a responsabilidade do ciclo de vida dos produtos aos órgãos públicos responsáveis, empresas fabricantes, distribuidores, consumidores e demais elos da cadeia produtiva.

No caso da França, o mecanismo da reciclagem teve como base a ampliação da capacidade das instalações, para que a separação de materiais pudesse ser aumentada.  Um outro propósito que a Citeo serve é o de estimular as empresas a fazerem um design ecológico, programando a produção e as embalagens, antes mesmo de reciclar.

Desse modo, a França obteve maiores marcas de redução do impacto gerado pelas embalagens comercializadas e um aumento da conscientização para uma reciclagem cada vez melhor. 

E os objetivos são ambiciosos, atualmente, a França chegou ao índice de 75% de reciclagem das embalagens e não pretende parar por aí. A taxa, inclusive, é similar aos números do processo de reciclagem na Alemanha, de 74,7% em 2018.

O maior desafio para ampliar esse percentual de 75% é em relação à reciclagem dos plásticos, de acordo com Anne, porque há diferentes tipos de plásticos, em alguns casos, presentes na mesma embalagens.

Já outro desafio apontado por ela diz respeito à educação ambiental, que é fazer com que as pessoas separem os materiais recicláveis e aprendam a promover essa prática sistematicamente, dentro e fora de casa.

Para Anne, os principais motores que estão alavancando mudanças e tornaram possível a taxa de 75% de reciclagem na França são 3 aspectos:

  • Legislação: a União Europeia está contribuindo ativamente no tema da economia circular, promovendo diretivas e planos para levar as pessoas e empresas à ação, a partir da “lei de economia circular e combate ao lixo”, adotada em 2020. A própria lei francesa também está avançando, com ações como o banimento de sacolas plásticas para frutas e legumes, assim como os sacos de chá e confete plásticos, e possui metas altas para a reciclagem, o que incentiva as outras partes interessadas a cumprirem seu papel e os orienta a: reduzir, reutilizar e reciclar.
  • Consumidores: não é de hoje que os consumidores estão despertando para um consumo consciente, atentos à embalagens mais ecológicas, certificações que as empresas possuem e selos que as marcas utilizam. O selo eureciclo, por exemplo, traduz que a empresa investe na reciclagem e realiza a compensação ambiental das embalagens em todos os estados que comercializa seus produtos.
  • Empresas: as empresas francesas também estão investindo em iniciativas que visam o aumento da reciclagem. O Carrefour, empresa fundada na França, por exemplo, implantou 10 pontos de coleta no país em parceria com a Terracycle para a reciclagem de máscaras descartáveis, no início de 2021.As empresas ainda possuem um outro desafio proposto pela Citeo: reduzir as embalagens até 2025 e parte dessa solução será a reutilização.

A fala de Anne-Sophie Michel encerra com o seguinte recado: “Considerando toda a cadeia de valor, ninguém tem a solução sozinho”. Em paralelo, a Itália possui desafios semelhantes, que tratam da importância da união e senso de pertencimento de cada parte interessada.

Enzo Vergalito, Diretor e co-fundador da Ewap Cooperative Company, empresa de limpeza urbana que atende mais de 100 municípios italianos, compartilhou na palestra que a capacitação e sensibilização sobre o tema da reciclagem foi um dos pilares essenciais para a participação dos cidadãos da Itália no processo de logística reversa.

A evolução da coleta seletiva no país ocorreu da seguinte maneira: nos anos 80, grandes recipientes públicos eram utilizados para o armazenamento de resíduos. Os “caixões”, como Enzo diz, eram pontos de coleta voluntários, então não havia um calendário específico: os cidadãos poderiam destinar os materiais em qualquer horário e em qualquer dia.

Um ponto interessante percebido foi o dos resultados obtidos, que não alcançavam a quantidade necessária de embalagens a serem recicladas. O progresso dos níveis de reciclagem só foram atingidos quando o sistema de coleta porta a porta foi implementado na Itália.

Com essa mudança, conforme Enzo Vergalito, o sistema passou a individualizar a responsabilidade, tirando o estigma de que a reciclagem é um problema da coletividade. Essa transformação implicou, inclusive, na própria relação e comportamento dos cidadãos com o resíduo gerado. 

O aumento na quantidade e qualidade das embalagens e materiais reciclados direcionou o foco do poder público em trabalhar a coleta seletiva a partir do nicho familiar. As famílias voltaram a ser protagonistas do sistema de reciclagem e com essa estratégia, percebeu-se que o lixo não é só uma questão técnica, mas também social. 

Na Itália, a reciclagem é operada através de 5 contêineres, segundo Enzo:

  • Papel
  • Vidro
  • Plástico
  • Orgânico
  • Não reciclável

Há, atualmente, um calendário disponível à população para indicar os dias de coleta seletiva, que variam em cada região. Nos locais mais quentes, por exemplo, a coleta de orgânicos acaba tendo mais frequência, com média de 3 vezes por semana.

As taxas italianas de coleta seletiva são proporcionais à quantidade de pessoas que moram em cada casa e há uma tecnologia para estimar quanto resíduo cada família produz. Outra estratégia utilizada é a de premiar as famílias que separam adequadamente os materiais recicláveis e sancionar ou penalizar as famílias que não realizam a separação correta e assim,se obtém uma das formas de remunerar o sistema.

Para Enzo, a comunicação e a educação ambiental são elementos-chave, os fatores de sucesso para a reciclagem na Itália. Ele cita não só a importância de conscientizar governantes a respeito da reciclagem, mas também de envolver os cidadãos, de desenvolver um espírito de comunidade. 

Acervo de imagens eureciclo

A importância da educação ambiental para a reciclagem nos EUA

Nos Estados Unidos, os desafios não são tão diferentes, em um comparativo com o continente europeu. Mauro Napolitano, Diretor Geral da Florida Plastic Recycling, uma empresa de reciclagem plástica focada em PET, foi quem trouxe essa perspectiva da reciclagem no II Fórum Internacional eureciclo. 

Para Mauro, o movimento em prol da reciclagem parte, inclusive, das próprias empresas americanas, como grandes multinacionais interessadas em promover altas metas de reciclagem. 

No caso específico da atuação de Mauro, um dos grandes desafios seria fabril, para transformar o plástico e mantê-lo reutilizável.

O executivo cita ainda outro ponto importante: a coleta, que segundo ele, é a base da reciclagem e nesse sentido, há um longo caminho a ser percorrido. 

A reciclagem possui diferentes etapas: a coleta dos resíduos, triagem dos materiais e separação, compactação e posteriormente, a venda desse material, e para Mauro, cada uma dessas fases possui uma maturidade diferente, influenciada pelas características de cada país.

Um aspecto importante é também a destinação correta dos resíduos e para onde vão as embalagens pós-consumo. No caso dos Estados Unidos, o país possui 3 mil aterros sanitários, já o Brasil possui cerca de 600 aterros e mais de 1000 lixões existentes, o que implica em um desafio local para nós, brasileiros.

Para a destinação ser adequada, os consumidores também precisam fazer sua parte, a partir da separação dos materiais recicláveis dos orgânicos e rejeitos. 

Para Mauro, o maior gargalo dos Estados Unidos é a educação da população. Um dado que ilustra esse desafio é que apenas 4 dos 50 condados – equivalente à estados – estadunidenses atingiram a meta de reciclagem em 2020. 

Uma informação que também não pode  ser ignorada neste cenário do consumo é o fato de que os Estados Unidos são um dos maiores produtores de plástico do mundo, segundo o levantamento WWF (Fundo Mundial para a Natureza), divulgado em 2019. Entretanto, um aspecto a ser observado é de que a cadeia de reciclagem nos Estados Unidos é formalizada desde a coleta dos resíduos, a fonte da matéria-prima, como diria Mauro Napolitano.

E quanto aos desafios da reciclagem no Brasil?

No Brasil, como vimos, temos algumas particularidades e índices como os da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), que mostram que de todo resíduo produzido, apenas 3% é efetivamente reciclado. 

A eureciclo nasceu com essa missão, de aumentar as taxas de reciclagem no Brasil e América Latina. Em 2016, trouxemos o conceito de compensação ambiental no território latino e a partir da solução, conseguimos rastrear fluxos de resíduos e comprovar atingimento de metas dos fabricantes, segundo Thiago Pinto, CEO da eureciclo.

Um aspecto importante do Brasil é que cerca de 80% do que é coletado, é manuseado por pelo menos um dos 1 milhão de catadores existentes no país. Através de mecanismos como os certificados de reciclagem, os agentes de coleta, como cooperativas e operadores, são beneficiados. 

Em sua apresentação, Thiago compartilhou o caso de sucesso da Coopervaí, cooperativa situada no noroeste do Paraná, que teve um aumento de 200% na própria produtividade, de 50 toneladas por mês para 150 toneladas mensais.

Outro ponto levantado pelo CEO diz respeito à importância da transparência para consumidores e empresas. O selo eureciclo é um desses instrumentos que tem como propósito a comunicação do impacto socioambiental e o desenvolvimento da cadeia de reciclagem que aquela empresa investe, aos consumidores.  

Para tangibilizar, em uma pesquisa realizada com as cooperativas parceiras eureciclo, constatamos que os certificados de reciclagem atribuem um acréscimo de renda que varia de 12% a 100%, em média. Essa renda adicional pelo serviço ambiental prestado é utilizada em:

  • Capex, ou seja, equipamentos e infra-estrutura para aumento da capacidade para as cooperativas;
  • Opex, manutenção e custos operacionais diretos;
  • Pagamento dos cooperados e operadores de reciclagem;

Quer saber mais sobre como aumentamos  as taxas de reciclagem no Brasil e América Latina?  

Confira aqui o Relatório de Desempenho 2020 da eureciclo e para qualquer dúvida, fale com nossos especialistas em sustentabilidade e logística reversa.

Acervo de imagens eureciclo

Conclusão

Diante de tantos ensinamentos compartilhados no 3º dia do II Fórum Internacional, separamos aqui os principais pontos trazidos por Anne-Sophie Michel, Gerente de Inovação na Citeo; Enzo Vergalito, Diretor e co-fundador da Ewap Cooperative Company; Mauro Napolitano, Diretor Geral da Florida Plastic Recycling; e Thiago Pinto, CEO da eureciclo. 

A educação ambiental precisa ser incentivada em todos os países, especialmente em relação ao papel e protagonismo do consumidor, que fará o descarte dos resíduos e embalagens pós-consumo e que deve se sentir parte da solução ambientalmente correta.

Quanto às empresas, se torna fundamental assumir compromissos como a logística reversa e melhorias pautadas em ESG para promover o desenvolvimento sustentável. Além disso, a comunicação com os consumidores em diferentes canais é um outro passo para promover avanços na conscientização ambiental.

Além da reciclagem, temas como design ecológico e desenvolvimento sustentável devem ser abordados nas diferentes esferas: poder público, escolas, empresas, redes sociais, entre outros. 

Uma ação voluntária e prática de ser aplicada são os pontos de entrega voluntária em comércios, fábricas e outras instituições, por exemplo, que reforçam a importância dessas temáticas serem abordadas e alavancam ainda, uma economia mais circular.

No Brasil, especificamente, os desafios são os de formalizar a cadeia, incentivar a remuneração de operadores e cooperativas, aumentar os índices de reciclagem e ter dados consolidados para acompanhar a evolução da logística reversa.

E você, o que aprendeu com o último dia do II Fórum Internacional eureciclo? Comenta aqui embaixo e compartilhe com a gente! Vamos juntos?

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2 comments

Olá!

Interessante leitura, porém igualmente frustrante saber que o mundo ainda tropeça em soluções de logística reversa. Sinceramente, não deveria ser assim tão difícil. Mas o mais valioso da leitura é obter um retrato, aparentemente fiel, do cenário atual e de todo esforço realizado visando melhorar esse processo.

Parabéns pelo blog e obrigado por compartilhar!

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